quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Balanço



A infância não foi uma manha de sol:
Demorou vários séculos; e era pífia,
Em geral, a companhia. Foi melhor, em parte, a adolescência, pela delícia
Do pressentimento da felicidade
Na malícia, na molícia, na poesia,
No orgasmo; e pelos livros e amizades.
Um dia, apaixonado, encarei a minha morte:
E eis que ela não sustentou o olhar
E se esvaiu. Desde então é a morte alheia
Que me abate. Tarde aprendi a gozar
A juventude, e já me ronda a suspeita
De que jamais serei plenamente adulto:
Antes de sê-lo, serei velho. Que ao menos
Os deuses façam felizes e maduros
Marcelo e um ou dois dos meus futuros versos.


_Antonio Cicero.

Solistas


Nascem os poemas nas horas turvas
Ferocidade raiada em ondas
Os dentes escarlates da tarde
                A solidão.
Ferem dissonantes o tráfego
                in
Visibilidade ao redor
Fogo salgado nas águas rápidas
                Da cidade.
Morrem os poetas nas esquinas
Flautistas breves da impossibilidade.


_Fernando Paixão.

sábado, 18 de outubro de 2014

Se entregar a um escritor é confirmar amor verdadeiro. Somente por aguentar seus devaneios.
A quem diga que se apaixonar por um escritor é assinar contrato de imortalidade. “ Viverá para sempre em seus versos”, dizem eles.
Para as mães, creio eu que é declare-se louco(a). Pois escritor é bicho insano. E as espertas mães veem isso.
Mas e eles, como chamam seu amor por suas amantes?
Ouvi dizer que eles simplesmente as amam. Então pensei o que qualquer outra pessoa normal pensaria, só amam? Só isso eles tem a dizer? Estes que escrevem romances espetaculares, declarações emocionantes, textos de derramas rios lagrimas. Só dizem que amam?
Algum tempo depois tive oportunidade de conhecer e perguntar minha duvida a um certo escritor.
- Mas só amam?
Ele sorriu com um ar de deboche e disse:

- Só amamos? Que mais queres de nós? Alias, a mais o que querer? Não é o amor o maior e mais belo sentimento que há? Não é o amor aquilo que ninguém consegue explicar ou dimensionar? Não é aquilo que faz os crentes respirarem? Que nos da sentido pra continuar, que cura salva, da vida e faz renascer?  Não é o amor responsável por estas e muitas mais bênçãos que a vida nos trás? Então por que nós escritores nunca podemos simplificar? Ate porque dizer só amar, ainda não seria simplificar.